Após um ano e quase dois meses de emigração o balanço é estranho. Em geral, há uma sorte
tremenda que acompanha o infortúnio. Este ano fui operado à mioleira duas vezes – ainda bem que
já cá estava.
Mas eu estou aflitinho para escrever é sobre a queda espetacular que dei, há duas semanas, cá em
casa – foi uma pena só ter sido presenciada pelo Lupi. Estava ao telefone com a Sofia, quando ela
vinha do trabalho, até chegar cá a casa – normal. Cavalheiro como sou – voltei a ser depois da última
operação que me ia levando a capacidade mental e a personalidade, sem eu me dar conta – medo -,
e decidi ir abrir a porta à Sofia. A porta da casa de banho, abre para fora, e o fora da casa de banho é
o microcorredor/microhall de entrada. Ora, o Sir. Lupi tinha lá estado a comer – deixo a porta da
casa de banho aberta para que o Lorde possa sair quando terminar. Esqueci-me que não a tinha
fechado depois do cão sair. Lá ia eu, ceguinho, abrir a porta de entrada à Sofia. Bati na porta da casa
de banho, assustei-me e não sei bem como foi, não me lembro! Acho que me tentei apoiar na porta
da casa de banho, coisa que fazia muito, só que ela estava aberta, ou seja, devo ter-me tentado
segurar na porta que não estava lá – procedimentos automáticos -, como não resultou, devo ter
tentado segurar-me ao outro lado, coisa que também não funciona, uma vez que é um armário com
porta deslizante, sem tranca. Resultado, sentado no chão, virado no sentido contrário para onde ia,
encostado à porta de entrada, porta da casa de banho arrancada das dobradiças, a apoiada no chão,
tombada para o outro lado do microcorredor/microhall de entrada, como se fosse a hipotenusa de
um triângulo, onde os catetos eram o chão – onde eu estava – e, o outro, o armário com porta
deslizante. Eu fiquei sentado dentro da casinha que era o triângulo. O que me vale é ser rafeiro.
Quando me levantei e abri a porta à Sofia – que estava a achar que eu estava a demorar um bocado
– ela ficou um bocadinho aflita, até se convencer que eu estava mesmo bem. Acartou a porta
arrancada para de trás do sofá – onde está desde então –, e ao acalmar, reparámos que o Lupi não
estava ao pé de nós. No meio da entrada atribulada da Sofia, o desgraçado tinha passado para a rua,
sem que tivéssemos reparado, fechámos a porta, e lá ficou ele. Deve ter ficado nervoso o pobre
animal.
Estava atrás da porta quando a abrimos.
Graças ao cavalheirismo de um cego com um cão de assistência, vamos entrar em despesas. Estamos
à espera do orçamento para uma porta nova.
P.S.
Ao senhor que estacionou o carro no lugar de deficientes, mesmo à frente do nós – eu, a Sofia e o
Lupi – lugar esse que queríamos usar, uma vez que até estávamos atrasados, no Trafford Centre,
senhor este que era grande, musculado e de cabeça rapada: um abraço fraterno dos amigos
imigrantes.